Seis pacientes contraíram HIV após receberem transplantes de órgãos infectados no Rio de Janeiro. O caso, sem precedentes no estado, está sob investigação da Anvisa e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). A suspeita é de que um laboratório privado, contratado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-RJ), falsificou resultados de exames de HIV em doadores de órgãos.
Quebra de sigilo e busca e apreensão:
Diante da gravidade da situação, a Justiça do Rio de Janeiro autorizou a quebra do sigilo de dados eletrônicos e de mensagens de sete pessoas envolvidas no caso. A decisão, tomada durante o Plantão Judiciário, visa aprofundar as investigações sobre a conduta dos sócios e funcionários do laboratório PCS Lab Saleme, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
A juíza Flávia Fernandes de Melo autorizou o acesso a mensagens, e-mails, conversas em aplicativos, agenda de contatos, fotos, vídeos e áudios presentes nos aparelhos eletrônicos apreendidos. A magistrada também determinou a busca e apreensão nos endereços dos sócios-proprietários e funcionários do laboratório.
Na segunda-feira, dia 14 de outubro, a Polícia Civil cumpriu 11 mandados de busca e apreensão e dois de prisão. Walter Vieira, um dos sócios do laboratório, e um técnico foram presos. Outros dois alvos de mandado de prisão estão foragidos.
Negligência e busca por lucro:
Segundo o delegado André Neves, responsável pela investigação, a polícia encontrou indícios de negligência na checagem da validade dos reagentes utilizados nos testes de HIV. Os reagentes são produtos químicos que indicam a presença do vírus no sangue. Se estiverem fora da validade, podem gerar resultados falso-negativos, levando à conclusão errônea de que o doador não possui o vírus.
A investigação aponta que a negligência na checagem dos reagentes visava reduzir custos e aumentar o lucro do laboratório.
Walter Vieira, um dos sócios do PCS Lab Saleme, afirmou em depoimento que a sindicância interna do laboratório encontrou indícios de falha humana na transcrição dos resultados de dois testes de HIV.
Cronologia dos acontecimentos:
- Dezembro de 2023: o laboratório PCS Lab Saleme é contratado pela Fundação Saúde, ligada à SES-RJ, para realizar testes em doadores de órgãos.
- 10 de setembro de 2024: um paciente transplantado apresenta sintomas neurológicos e testa positivo para HIV. A investigação revela que o órgão transplantado estava infectado com o vírus, apesar do exame do doador ter apresentado resultado negativo.
- Após 10 de setembro de 2024: a Anvisa constata que o laboratório não possuía os kits necessários para a realização dos testes de HIV e suspeita de falsificação de resultados. O laboratório tem suas atividades suspensas e é interditado cautelarmente. Os exames passam a ser realizados pelo Hemorio.
- 11 de outubro de 2024: a SES-RJ confirma seis casos de pacientes infectados por HIV após transplantes de órgãos. O Ministério da Saúde determina auditoria no sistema de transplantes do Rio de Janeiro e a investigação da contratação do laboratório.
- 13 de outubro de 2024: justiça autoriza a quebra do sigilo de dados dos envolvidos no caso.
- 14 de outubro de 2024: polícia Civil cumpre mandados de busca e apreensão e prende dois envolvidos no caso.
Ações da secretaria de saúde:
A SES-RJ afirmou que considera o caso inadmissível e tomou medidas para garantir a segurança dos transplantados. Uma comissão multidisciplinar foi criada para acolher os pacientes afetados. A secretaria também está realizando um rastreio de todas as amostras de sangue de doadores desde dezembro de 2023, data da contratação do laboratório. Uma sindicância foi aberta para apurar responsabilidades e punir os culpados.
Posicionamento do laboratório:
O PCS Lab Saleme, em nota, afirmou ter aberto sindicância interna para apurar responsabilidades e que utilizou kits de testes recomendados pela Anvisa. O laboratório se comprometeu a oferecer suporte médico e psicológico aos pacientes infectados e seus familiares.
O caso expõe falhas graves no sistema de saúde do Rio de Janeiro e levanta sérias preocupações sobre a segurança dos transplantes no estado. A investigação em curso busca esclarecer os fatos e responsabilizar os culpados por essa tragédia que vitimou pacientes que buscavam tratamento e qualidade de vida.
Fontes: Agência Brasil; Metrópoles